25 setembro, 2016

Filhos

20.08.2016

Meus Filhos
Quando os meus filhos nasceram eu imaginava que o papel dos pais seria o fator mais importante na formação do caráter deles. Sabia que o ambiente em que eles viveriam também era importante. Porém, naquela época, eu ainda não tinha a dimensão da influência decisiva da carga genética transmitida pelos pais, trazidas de outras gerações da nossa família.

A idéia de que os recebemos como uma folha em branco e que, recebendo uma educação adequada, irão corresponder a nossa expectativa, é totalmente equivocada. Há momentos em que me surpreendo com nossa total impotência diante do que a natureza determina. Eles serão, sem sombra de dúvida, uma mistura do que eles já trouxeram quando chegaram nesse mundo mais o que esse mundo oferecerá a eles. Só não sei qual será o fator predominante.

Analisando uma situação que ocorre em minha família, fico a imaginar como a personalidade de um filho pode ser completamente diferente dos nossos pais e avós? É como se todos os valores transmitidos por nossos pais durante anos não tivesse encontrado chance de penetrar na formação do caráter do filho. Parece que apenas os traços genéticos e os instintos naturais sobreviveram. E esses traços negativos ainda foram acentuados pelo meio onde passou a viver depois de adulto (profissional e familiar).

Tenho dois irmãos e uma irmã, já falecida. Vejo em nós traços da educação que recebemos. No entanto, em um deles, não consigo reconhecer nenhum desses valores transmitidos pelos nossos pais. Talvez alguma parte tenha sido absorvida por ele, porém é imperceptível pra mim.

Bom, não sei por que ainda me surpreendo. É assim, segundo reza a lenda, desde os tempos de Caim e Abel.

Fragmentos de Memória

25.06.2016

Quando o Alzheimer atingiu sua pior fase, minha mãe deixou de conversar. Não conseguia montar uma frase sequer, as palavras despareceram da sua memória. Um dia, enquanto tentava fazê-la comer um pouco, cantarolei uma hino cristão que ela gostava muito:

-"Senhor meu Deus, quando eu maravilhado fico a pensar nas obras de tuas mãos. No céu azul de estrelas pontilhado..."

De repente ela começou a cantar o hino. Eu parei e ela continuou.

Trecho do livro Em busca do tempo perdido de Marcel Proust

Mas, quando nada subsiste de um passado antigo, após a morte dos seres, após a destruição das coisas, apenas o cheiro e o sabor, mais frágeis mas vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, permanecem ainda por muito tempo, como almas, a fazer-se lembrados, à espera sobre a ruína de tudo o resto*, a carregar sem vacilações sobre a sua gotinha quase impalpável o edifício imenso da memória. (p.57)

O mesmo acontece com o nosso passado. É trabalho baldado procurarmos evocá-lo, todos os nossos esforços da nossa inteligência são inúteis. Ele está escondido, fora do seu domínio e do seu alcance, em algum objeto material (na sensação que esse objeto material nos daria) de que não suspeitamos. Depende do acaso encontrarmos esse objeto antes de morrermos, ou não o encontrarmos. (p.51)

O papel da memória é o tema central desse livro e o trecho acima descreve bem alguns momentos que já vivi.

Algumas vezes, quando subo a serra indo para o Frade, um cheiro de Açucena entra pela janela do carro, sobe pelas minhas narinas e invade meu corpo todo. É o cheiro da minha infância aqui no Frade. Não é a lembrança de nenhum episódio, é mais uma sensação, uma coisa estranha que não sei explicar. 

Banana da terra cozida me traz a imagem da cozinha da antiga casa em Macaé, um perfume faz-me lembrar de um namorado que não vejo há mais de 30 anos, cujo rosto nem me lembro. Mas lembro do cheiro. E outros tantos cheiros tem sobre mim esse mesmo efeito, de me transportar para outro tempo.

A música também exerce esse mesmo poder, porém com menor intensidade.

Parece-me que mesmo depois que tudo se acabar e mesmo que eu fique senil, esses cheiros sobreviverão guardados em alguma gavetinha da memória, esperando apenas que algum perfume ou alguma música abra a gaveta.



Solidão

02.06.2016

Sempre convivi com pessoas que falam muito: no trabalho, nas relações de amizade, na escola. Na família não, somos mais calados. Na casa dos meus pais ninguém era de muita falação e hoje, na minha casa, o padrão é o mesmo.

Sou mais introvertida, mais voltada para o mundo interno do que para o externo. Muitas vezes gosto mais de conversar comigo mesma do que com outras pessoas. Sinto prazer em algumas atividades solitárias: ir ao cinema, ler, caminhar na praia, tomar café em alguma cafeteria enquanto olho o movimento na rua, ouvir música quando estou sozinha em casa, etc. Gosto da convivência com outras pessoas, adoro estar com meus amigos, inclusive as “faladeiras”, mas sinto falta de um pouco de solidão.

As pessoas mais extrovertidas dependem mais da presença de outras pessoas. É através do olhar do outro que elas podem exercer sua extroversão. Algumas vezes uma postura mais introvertida é mais adequada e, em outras, a extroversão é mais apropriada. Muitas vezes desejei ser mais extrovertida e talvez tenha perdido alguns bons momentos por causa disso. Somos do jeito que somos e o melhor é aproveitar o lado bom. Como diria um amigo meu, “aceita que dói menos”. Hoje me sinto bem comigo mesmo e não sinto necessidade de mudar nada.

Nesse tempo de muita exposição pessoal, tenho encontrado alguma dificuldade com a convivência através das redes sociais. Falta-me paciência pra tanta falação e tão poucos assuntos interessantes, úteis, criativos. É claro que o problema está em mim, que não curto cachorrinhos, religião, mensagens de auto ajuda, radicalismo político, lavação de roupa suja, recadinhos malcriados, exposição excessiva da vida particular, fotos e fotos e mais fotos. Não sobra muita coisa, né?
Também não quero me afastar dos amigos, então procuro me adaptar sem exagerar na dose e me manter conectada. 

Às vezes preciso passar uns dois dias off-line. Cuido das plantas, termino de ler algum livro que está abandonado na cabeceira da cama, faço alguma costura que já está há muito programada, deito-me no sofá da sala, apago as luzes e ouço uma música instrumental. Fecho os olhos e não penso em nada, só sinto a música.  É o meu detox.


23 setembro, 2016

O Poder

17.04.2016

Estive acompanhando pela televisão a votação sobre o impeachment da Presidenta Dilma, e observando aquela estranha fauna que trabalha (muito menos do que deveria) naquele ambiente. Depois de algum tempo de observação lembrei-me de uma palestra que assisti em um evento de RH, que falava sobre instintos básicos do ser humano: o desejo sexual, a busca do prazer, a agressividade, anseio pelo poder e outros que não me lembro. Segundo o palestrante esses instintos, que todos nós temos, visam à perpetuação da espécie, a preservação da própria vida, etc.

O anseio pelo poder, que me parece está relacionado à auto-estima, fica bem evidente nesse grupo. O ser humano é um bicho interessante. Na empresa onde trabalhei, ficava freqüentemente boquiaberta diante da atitude de algumas pessoas que almejavam ocupar cargos ou para se perpetuarem neles. E ficava pensando porque uns desejam tanto o poder e outros não. 

Com o passar dos anos fui entendendo (a idade avançada serve pra alguma coisa) que o desejo de poder está em todos nós. Porque são vários tipos de poder e certamente já fomos afetados por algum deles: político, material, intelectual, físico, estético, etc. Possuímos esse desejo de poder, esse prazer em ser superior ao outro. O prazer de ser mais rico, o mais inteligente, o mais bonito, o mais corajoso, o melhor amante, o mais poderoso, o mais caridoso entre todos os caridosos do seu convívio, o mais cruel entre todos os bandidos, e por aí vai. E esse poder é sempre exercido sobre outro semelhante: filhos, marido, esposa, pais, amigos, empregados, etc.

Muitas vezes esse desejo pelo poder é bem disfarçado. Tive um exemplo claro desse tipo de disfarce utilizado, talvez inconscientemente, por uma colega de trabalho na Petrobras, que utilizava a caridade para alimentar seu ego, seu desejo de ser notada. Talvez por não ser bela ou inteligente ou rica....a bondade foi o seu recurso para ser notada, ser admirada. Sempre tenho um pé atrás com pessoas muito bondosas, faz parte da minha cota de preconceito. 

Quanto a  conheci, mantive minha descrença habitual naqueles que são muito caridosos, muito religiosos, muito pudicos. Algumas vezes, com o passar do tempo, percebo que em algumas pessoas essa bondade é genuína, mas é raro. 
Fiquei a observá-la e tempos depois, no episódio da morte de uma cunhada que foi acompanhada por ela durante o período da doença, percebi a verdadeira motivação: poder e vaidade. Enquanto descrevia com detalhes minuciosos o sofrimento pelo qual padecia a enferma nos seus últimos dias, percebi o prazer em seu olhar. O que ela desejava não era minorar a dor da cunhada, mas obter a gratidão de toda a família, criar uma dívida impagável, a dependência da família em relação a ela. A super caridosa.

Não é de se admirar que nas altas esferas de poder todos os pudores sejam abolidos. Se não tivermos instituições fortes e atuantes, não há quem coloque freio nesse desejo incontrolável de poder. Não tenho muita esperança de ver o meu país livre dessa gang que se instalou no governo, em todos os níveis da estrutura.

Não somos muito melhores que os políticos, a diferença é que para os "sem poder" o estrago pode ser menor. Que bicho estranho somos nós!