28 fevereiro, 2018

Dona de Casa? Jamais

Meu marido é um homem conservador. Nesse caso é um eufemismo pra antiquado, machista...mas é meu marido, então eu me permito ser um pouco tolerante, fazer "vista grossa". Só um pouco.


Ele ainda acredita que a mulher deve ser a "dona da casa". Isso equivale a dizer que é papel da mulher lavar, passar, limpar, cozinhar, cuidar da educação dos filhos, etc... 


Quando me casei contratei uma doméstica e durante esses trinta e tantos anos de casamento ela exerceu o papel da "dona da casa". Há dois anos atrás, a "dona da casa suplente" aposentou e a titular (euzinha) assumi o cargo. Descobri, nesse instante, que meu marido não tinha evoluído e que achava que esse é o papel que me cabe nesse latifúndio. Tentei explicar que isso acontecia quando as mulheres eram sustentadas pelo marido, mas que isso não tem mais cabimento hoje em dia. Sem sucesso. 


Resolvi "desenhar" para facilitar o entendimento e falei sobre uma conversa que tive com nossa faxineira Nãna, que é Adventista e, por isso, não come carne de porco. Como aqui em casa comemos muita carne de porco, linguiça de porco, partes do porco no feijão, etc...sempre que ela almoça aqui procuro fazer uma outra carne pra que ela fique em paz com sua crença. Só não falo pra ela que eu uso gordura de porco pra cozinhar e ela come sem saber.  Deus há de perdoá-la porque a culpada, nesse caso, sou eu.


-Vilson, você sabe porque a Nãna não come carne de porco?


- Não.


- Porque na Bíblia está escrito que Deus falou a Moisés e a Aarão que os filhos de Israel não podiam comer carne de porco, porque é um animal impuro. Então eu disse pra ela:


- Isso não tem lógica Nâna! A Bíblia também diz que Deus criou todas as coisas, inclusive o porco. Porque ele iria criar um animal impuro? Qual a finalidade disso? Você deveria levar em consideração que Deus nunca veio falar nada pessoalmente ao povo de Israel, mandava seu Porta Voz, como fazem os presidentes da república hoje em dia. Sabe-se lá se Moisés tinha alguma coisa contra o porco, ou algum desafeto seu era dono de uma pocilga? 


Ela riu, mas nem analisou a minha teoria. O crente (aquele que crê) não perde tempo com as evidências, lhe basta a fé, tipo Petista que não consegue enxergar as fraquezas de Lula.


Resumindo: Os crentes Adventistas vem repetindo para seus fiéis essa informação através dos anos e então Nãna não come carne de porco porque alguém, que ela não conheceu, há mais de quatro mil anos atrás disse que não deveríamos comer esse animal impuro. 


- Tá, mas o que isso tem a ver com as obrigações da "dona da casa"? Perguntou Vilson.


Vou continuar "desenhando".


Veja bem, há muitos séculos que a sociedade acredita que o homem é um ser superior a mulher. É um mito, mas até hoje tem gente que acredita nessa lorota. Bem, essa desigualdade foi perpetuada na sociedade, com a contribuição do Estado e da Igreja (novamente a Igreja) e, portanto, a instituição familiar deveria servir aos interesses do homem. Não foi sempre assim. Na sociedade primitiva havia um matriarcado....


- O que é isso?


Deixa pra lá. Continuando: já que a mulher é um ser inferior ela deve servir ao homem (ao irmão, ao pai, ao marido, etc) e, em contrapartida, ser sustentada por eles. Esse paradigma mudou, mas muitos homens e algumas mulheres, ainda acham que esse papel nos cabe. E os homens, no modelo antigo, achavam que estavam fazendo um favor as mulheres quando lhes davam um dinheirinho para comprar uma roupa, cuidar dos cabelos, pintar as unhas. E elas faziam isso para agradá-los porque além de ralar o dia todo na faxina, ainda deveriam estar bonitas e cheirosas pra diminuir o risco de serem trocadas por uma escrava mais nova. Eu disse escrava porque quem realiza um trabalho em troca de alojamento e comida sem receber salário, é um trabalhador escravo. É o que diz a lei.


O mundo mudou, Vilson, mas você está fazendo o mesmo que Nâna: repetindo o que ouviu do seu pai, que ouviu o mesmo do seu avô, que aprendeu com seu bisavô...Você acha que eu vou aceitar o papel de Dona de Casa? Que eu, uma mulher emancipada, que ganho meu dinheiro desde os quatorze anos, que nunca foi submissa, vou fazer esse sacrifício só para ter um piru caseiro? Nuuuuuuca!


Vilson me olhou com cara de poucos amigos, e disse:


- Não entendi nada dessa história. O quê que o porco tem a ver com isso?


Puta que pariu! Gastei todo o meu latim pra ouvir isso.


Fui ao cesto de roupa suja, esvaziei e separei minha roupa e a dele. Coloquei em sacos separados e levei pra sala.


- Esse é o seu saco de roupa e aquele é o meu. O meu eu vou lavar e passar, o seu eu não faço idéia do que acontecerá com ele. A faxineira cuida da limpeza, a cozinha fica dividida entre nós dois: três dias são seus e três são meus, no sétimo a gente descansa e almoça na rua (novamente a Bíblia). Vc tem a opção de almoçar fora, caso não queira assumir os seus três dias na cozinha. Estamos conversados.


Agora ele entendeu.


15 fevereiro, 2018

Sonho de Adolescente

Um dia, já bem distante, sonhei em ser uma artista plástica. Via-me num ateliê com um pé direito enorme, uma espécie de galpão, com uma luz dourada entrando por uma claraboia no teto. Nas paredes várias telas enormes, algumas inacabadas. Próximo a janela uma mesa de madeira clara já bem suja de tinta, onde eu trabalhava. Eu usava uma roupa bem exótica, o cabelo crespo e rebelde preso em uma boina. 

Provavelmente vi esta cena em algum filme porque, até aquela data, nunca tinha entrado em um ateliê.  


Meu irmão mais velho, Vanderlei, percebeu que eu tinha algum talento para a pintura e me presenteou com tintas, pincéis, terebintina e tela. E fui pintando, copiando imagens que eu buscava em revistas, pinturas de artistas impressionistas famosos. Nada autoral, somente cópias. Logo percebi que pra ser uma verdadeira artista faltava-me criatividade.  


A casa da minha mãe já estava ficando entulhada de quadros. Nunca tive talento para vender coisa alguma, então a única saída para liberar espaço em casa foi encerrar minha precoce carreira de artista plástica. Pensei em presentear meus amigos, mas queria preservá-los. Ninguém merece ser presenteado com quadros medíocres, presentes de grego.


Que pena! Nada de arte, tinha mesmo é que bater carimbo em cheque, contar o dinheiro que não era meu (trabalhava em banco nessa época) e torcer para não faltar dinheiro no caixa no final do dia. 


Muitos anos depois tive o prazer de visitar museus pelo mundo e encontrar com obras dos meus pintores favoritos: Van Gogh, Monet, Renoir. Pude ver os originais de alguns daqueles quadros que eu havia copiado. Não consegui ser uma artista, mas consegui admirar in loco a obra de tantos artistas famosos, coisa que jamais sonhei.