Pandemia
MARÇO DE 2020
16.03 a 22.03.2020
Há uns quinzes dias estamos confinados em casa, eu e Vilson, em virtude da pandemia do Coronavirus, que nos irrita e amedronta. Decidimos passar uma temporada no nosso sítio em Quissamã. Por ser um local mais isolado e pelo maior contato com a natureza, achei que seria mais seguro e menos sufocante.
Victor, Eveli e as crianças, Maria e Bernardo, também vieram. Eu e Vilson viemos primeiro e eles uns dias depois. Maria estava numa ansiedade enorme, como sempre, para sair de casa e passear um pouco. Só que no meio do caminho tinha uma barreira sanitária avaliando quem poderia entrar na cidade. Maria já estava nervosa, ficou mais ainda quando o carro teve que parar e o agente da prefeitura não permitiu que Victor continuasse a viagem porque não tinha um comprovante de residência de Carapebus. Chorou até chegar à casa, em Macaé.
Gosto dos dias aqui no sítio, tranquilos, sem compromisso com horários. Acordo sem pressa, faço o café, arrumo a mesa (coisa que não faço em Macaé) e tomo o meu café com banana cozida, batata doce ou aipim, queijo, pão, bolo. Tenho comido muito mais do que nos dias normais, o efeito colateral vou constatar em breve quando subir na balança. Ivo, nosso amigo que ajuda Vilson a cuidar do gado, toma café conosco. Ele é ótima companhia e torna nosso café da manhã muito mais divertido.
Depois do café tomo um pouco de sol e o dia começa.
Passo boa parte das tardes na rede, lendo e às vezes cochilando. Não gosto de dormir durante o dia porque atrapalha meu sono à noite e, por alguma razão que desconheço, quando isso acontece acordo mal humorada.
Fomos á Macaé para abastecer a despensa, porque a partir dessa semana a população da casa aumenta.
24.03 a 29.03.2020
Retornamos com meu filho, a esposa e meus netos para a segunda temporada na roça. As crianças chegam já fazendo um alvoroço, Bernardo falando ainda mais alto que o normal, correndo atrás das galinhas, .... Será bom pra eles ficarem aqui, já devem estar cansados de ficarem presos em casa, pelo menos terão mais espaço para gastar toda energia reprimida nesse período. Bernardo acorda pela manhã e a primeira coisa que faz é sair procurando os ovos que as galinhas põe. Ele fica tão feliz que hoje eu peguei um ovo na geladeira e coloquei no ninho antes dele começar a procurar. Quando encontra o ovinho grita pra todo mundo ver o seu achado e também pra disputar com Maria quem acha mais ovos. Maria pegou o ovo e foi colocar na geladeira, e estranhou:- Ué! Esse ovo parece que tá gelado.E me olhou meio desconfiada. Disfarcei, pra não gerar ciumeira.
Bernardo, que é muito medroso, está começando a perder o medo dos bichinhos. Agora quando vê algum inseto já se arrisca a dar uma chinelada pra matar os bichos. Só não encarou ainda as pererecas e lagartixas. Tem um sapo grande, com uma bonita cor esverdeada, que costuma comer insetos aqui na varanda e desse todos fogem, exceto eu, Vilson e Victor.
Eveli todo dia come banana com aveia no café da manhã. Maria entregou o motivo de tanta aveia:
- Mamãe come aveia porque senão só faz cocô de bolinha.
Ela vive entregando todo mundo. Ontem Vilson encontrou uns rolinhos de papel higiênico:
- Engraçado esses rolinhos, pra que será que serve?- É pra mamãe limpar meleca.
Hoje, dia 25.03, é aniversário de Vilson, faz setenta e cinco anos e não tá nem aí pro Covid-19. Diz que já está imunizado porque esse vírus não se dá bem com álcool, como ele toma uma cachacinha diariamente acha que está livre dessa gripe. Quem sou eu pra duvidar? Essa criatura não tem o menor cuidado com a saúde e não pega gripe, dengue, chicungunha, zica...nadica de nada. Sou mais nova onze anos, mas se eu der mole ele vai me enterrar.
Maria trouxe um quadro negro pra improvisar um presente pra ele. Eu fiz um desenho do rosto dele e um cachimbo, seu companheiro inseparável. Maria desenhou algumas flores e escreveu uma mensagem. Eveli fez um bolo com cobertura de chocolate, cantamos parabéns e comemos o bolo. Ótimo presente de aniversário em tempos de Pandemia.
Vamos a Macaé para resolver alguns assuntos e retornaremos no dia primeiro de abril. Quando chegamos à barreira sanitária o agente não nos deixou entrar na cidade de Carapebus e recomendou que retornássemos e seguíssemos pra Macaé pela BR-101. Putz! Isso vai aumentar muito nosso percurso.Passamos por Conde de Araruama e seguimos para a BR-101. Faz tanto tempo que não passo por aqui...acho que a última vez foi em 1986, quando paramos pra arrancar uma muda de flamboyant que plantamos no quintal da nossa casa. Essa árvore ainda está lá, na casa que hoje é de Victor.
Chegamos ao trevo da BR-101 na altura da estrada que vai pra Macabuzinho. Vilson, como sempre, fica meio perdido qdo entra em um trevo com algumas saídas e eu dou uma ajudinha. Alguns quilômetros à frente ele ameaça entrar numa saída à direita:
- Êpa! Vai fazer o que aí Vilson?
- Ué, achei que já era a entrada pra Macaé.
- Você viu alguma placa falando isso? Então como é que entra assim sem ter certeza?
- Já rodamos uma porção e essa entrada que não chega.
- Não chegamos nem na entrada de Conceição de Macabu e você já quer chegar em Macaé?
Ele tentou disfarçar, mas a verdade é que ele achou que aquele trevo onde saímos anteriormente era o de Conceição. É muito desorientado!
Na chegada à Cabiúnas a fila pra passar pela barreira estava enorme, levamos uns quarenta minutos até chegar na barreira. Lá mediram nossa temperatura, perguntaram nome, idade e pediram comprovante de residência. Uma das atendentes perguntou a Vilson o que ele estava fazendo fora de casa. Ele olhou de cara amarrada e respondeu que estava no sitio descansando.
A gatinha Mari já estava no pé da escada nos esperando. Gato não faz festa como cachorro, mas do jeito dela demonstrou que estava satisfeita com nossa chegada. Ficou se esfregando nas nossas pernas e andando atrás da gente todo o tempo.
Lar doce lar! Mesmo com a casa cheirando a mofo, é bom voltar pra casa.
ABRIL DE 2020
01.04 a 05.04.2020
Toda semana eu faço um bolo pro café, cada semana um bolo diferente. Nessa semana fiz um bolo com banana, mas a massa ficou meio pesada. Ivo, que sempre toma café conosco, é a garantia que o bolo não corre o risco de ficar esquecido na geladeira. Ele é doido por doce. Comeu do meu bolo e em seguida comeu do bolo que Eveli fez. Olhou pra Vilson e disse:
-Esse bolo de hoje não passou no teste do Imetro.
A concorrência é uma merda.
Depois do café Maria foi fazer as tarefas que o colégio tem enviado pros alunos fazerem durante esse período de quarentena e eu tenho tentado ajudar um pouco. Hoje ela me pediu exemplos de verbos da primeira conjugação. Pensei em algum pra ela conjugar e falei o primeiro que me veio à cabeça:
- Conjugue o verbo cagar no presente do indicativo.
Ela só ria e não conjugava nada. Não nasci pra professora, definitivamente.
Victor tem saído pra pescar todos os dias no final da tarde quando o sol está mais fraco. Ele vai pescar nos brejos que tem aqui no sítio e hoje Bernardo quis ir junto. Ajudou a catar minhocas (quem diria) e ficou lá por algum tempo. Victor tem pego morobá e traíra, mas devolve pra água em seguida (pesca esportiva), mas não é por pena dos peixes não. É preguiça de limpar, temperar e fritar, diz que dá muito trabalho e pouco prazer.
Lá vem Bernardo com a latinha cheia de minhoca – tão bonitinho!
Hoje à noite eu fiz bolinho de chuva, o bolinho que lembra minha mãe. O meu bolinho não fica tão redondinho porque deixo a massa um pouco mais molinha e jogo direto na panela pra fritar. Esse negócio de ficar enrolando um por um é trabalho demais pra mim. Eveli e Maria disseram que o bolinho de chuva de Daniele, irmã de Eveli, parece um monte de tripinha, não fica redondinho. Talvez ela não esteja colocando fermento na massa.
Bernardo tem muiiiita fome. Um dia desses eu estava na pia lavando a louça do almoço, ele chegou na porta da cozinha e perguntou:
-Vovó, tem um lanchinho pra mim?
- Mas você acabou de almoçar.
-Ué, depois do almoço eu gosto de um lanchinho.
Maria também não fica atrás. Às vezes estamos almoçando e ela pergunta o que vai ter na janta. Ô fome!
Dizem que toda crise traz também uma oportunidade. Certamente esse confinamento, ou distanciamento social, serviu para os cantores descobrirem que as lives podem ser uma ótima oportunidade de negócios. No grupo da família meus sobrinhos postam toda a programação de lives da semana e Leo e Andreza capricham nos vídeos dos dois dançando na sala de casa. Aqui no sitio Eveli e Victor assistem a todas as lives enquanto tomam uma cervejinha.Na TV é Corona vírus as vinte quatro horas do dia. Nos finais da tarde o Ministro Mandeta é a estrela do momento. Tô achando que esse senhor está mais pra celebridade do que pra ministro.
Num desses dias, quando começava a anoitecer, eu fui à cozinha e pela janela vi Bernardo e Maria conversando:
- Malia, olha aquela estrela linda lá no céu, só tem ela!
- É Buba
- É Buba? Ele já tá lá um tempão, né? Mais de um ano.
Que saudade, ele gostaria de estar aqui agora.
Amanhã retornamos a Macaé.
08.04 a 12.04.2020
Dessa vez eu trouxe um bolo que leva iogurte e gelatina de limão na massa. Pra essa semana Eveli fez uns biscoitinhos, que eu não sei do que é feito, e brownie. Trouxe também uns belisquetes pra tomar com cerveja, arsenal para acompanhar as inúmeras lives.
Na hora do café Vilson chegou na mesa com um copo e, distraidamente pediu:
- Coloca uma dose de café aí pra mim. Ih! Me enganei, é um gole de café.
Bebum é uma merda mesma.
Vicente, Valquiria, Soraya e Guilherme virão se juntar a nós. Ficarão até sábado.
As crianças ficaram contentes com a chegada deles. Maria agora tem a companhia de Soraya que tem a idade mais próxima da dela. Bernardo gosta de brincar com Vicente e adora Guilherme, que é um bebê. Ele pegou Guilherme no colo e disse “é meu filhinho”. Eveli também adora dar colo pra neném. Bernardo até ajudou a trocar a roupa de Guilherme, acho que pra ele é mais uma brincadeira.
Agora Victor arrumou uma companhia pra pescaria: Vicente. Lá foram os dois com os caniços rumo ao brejo. Devem estar lembrando os tempos de criança quando pescavam, tomavam banho no tanque dos peixes Tambacus, andavam a cavalo por toda essa região com os amigos da vizinhança....O tempo passou rápido, os cabelos já começam a branquear, os gostos mudaram, os amigos são outros. Tiveram uma boa infância, com muito mais liberdade do que os filhos tem hoje, outros tempos.
Estou com pena de Vicente e Valquiria, o colchão da cama não é dos melhores. Ainda bem que enfermeira dorme em qualquer lugar, segundo uma amiga que me diz que quando sobra um tempinho no plantão ela dorme sentada, deitada, encostado, do jeito que der.
Pro almoço fizemos um bacalhau com legumes ao forno e Vilson fritou uns filezinhos de cação pra quem não gosta de bacalhau. Eu amo bacalhau, de qualquer jeito : assado, frito, gratinado no suflê, todos os petiscos. Só não gostei muito do bacalhau fresco, daquele jeito que você fica sabendo que esse peixe tem cabeça.Depois do almoço Maria, Bernardo e Soraia passaram um bom tempo estudando. Não tem aula física, mas tem virtual. Será que isso vai dar certo?
À tardinha Eveli e Maria costumam se arrumar e ir pra baixo do pé de ipê, se balançar, ouvir música, tirar fotos. Maria costuma dizer que vão ao shopping passear. Vilson também gosta de ficar sentado lá olhando as vacas do outro lado da estradinha e o movimento das pessoas e carros que passam, são poucos, mas ajudam a quebrar o silêncio desse lugar.Hoje Eveli estendeu uma toalha, levou uns belisquetes, cerveja e enfeitou o piquenique com uma garrafinha com flores de bougainvile.
À noite Eveli fez hambúrguer com molho gorgonzola. Uma delícia, a carne que Eveli preparou e o molho, tudo ótimo. Pena que hoje é sexta-feira da paixão e muitos não comem carne. Soraia já ia esquecendo, quando Vicente e Valquiria pediram a ela que não comesse carne. Acho que ela ficou com água na boca.
No dia seguinte pela manhã, Victor e a turma dele foram para Macaé. Resolveram não ficar para a Pascoa e não disseram o motivo. Que pena! Eu comprei ovos e ovinhos de Páscoa para fazer a caça ao tesouro com as crianças. Eles adoram essa brincadeira que sempre fazemos nesse dia.
Valquiria está sofrendo com cravos na sola do pé, dois grandões. Vilson ofereceu seus serviços pra retirar os cravos, com canivete amolado e sem anestesia. É assim que ele faz com os deles. Claro que ela não aceitou. Vai ao médico porque já retirou os cravos antes com uma podóloga e depois surgiram outros.
No final do dia Vicente e os demais também foram pra Macaé, como eles já haviam previsto.No Domingo levantei mais tarde porque dormi mal a noite, tomei meu café e em seguida fui pra rede, agora sem concorrência pois a casa está vazia.
Passei a manhã lendo e tomando banho de sol. Que delícia.
Vilson reclamou do silêncio da casa sem as crianças.
É estranho mesmo, parece que falta alguma coisa.
Depois do almoço retornamos pra Macaé, mas voltaremos na próxima semana.