30 abril, 2023

JOINVILE

JOINVILLE


Essa é a terceira vez que visito Joinville, sempre pra visitar minha amiga Sônia.
Estou na companhia luxuosa de Valdea, garantia de que teremos muita conversa, muitos ''causos'' e muita risada.

11.04.2023

Apesar do cuidado que tive na escolha do horário de saída do ônibus MacaéxRio, ainda tivemos problemas. Depois da pandemia o número de paradas ao longo do percurso aumentou e as viagens diretas sem paradas diminuíram muito. Valdea comprou as passagens, no horário que combinamos, mas depois do embarque verifiquei que o percurso não era o mesmo de quando fiz a pesquisa. Antigamente, quando a rodovia ainda não era duplicada, fazíamos essa viagem em três horas e hoje levamos quase quatro horas. Nosso ônibus chegou com um atraso de quase uma hora na previsão da companhia e olha que não tivemos retenção no trânsito em momento algum.

Aeroporto lotado, mas não ocorreu nenhum contratempo. Fizemos uma conexão em Guarulhos e no final da tarde chegamos a Joinville. Gabriel, filho da Sônia, nos esperava no desembarque. Ele mudou um pouco desde a última vez que o vi, o cabelo está ficando branco e ganhou uns quilinhos...eu também ganhei.

Gabriel já combinou com a gente uma pegadinha pra Sônia: dizer que esperamos muiiiito por ele no aeroporto. Ele quer receber a maior bronca dela e depois dizer que é tudo mentira. E não é que ela caiu?  

Sônia está muito bem, uma setentona cheia de energia e alegria de viver. Adora receber visitas, coisa rara hoje em dia. Não gosto muito de me hospedar em casa de ninguém, a casa de Sônia e a de Adélia no Rio, são as exceções. Elas nos deixam muito a vontade, sem a sensação de estar alterando a rotina delas, mesmo estando.
Sônia e Gabriel mudaram recentemente para um apartamento lindo, em uma cobertura num prédio de oito andares. Muito claro e arejado, com muitas janelas que trazem a natureza pra dentro de casa. Da varanda é possível admirar o sol se pondo atrás da Serra Dona Francisca, é um momento lindo, sempre.
Joinville é uma cidade com uma grande área plana, muitos rios e cercada pela Serra do Mar. Acredito que por isso chove tanto e esquenta muito no verão. Muita água e calor, já viu né? Muito bom pra uma sauna. Por isso, quase todos os anos Sônia foge pra Macaé no verão, em busca do mar e do vento que temos de sobra em nossa cidade, e pra visitar a família e os muitos amigos que deixou aqui há mais de vinte cinco anos.

12.04.2023
Sônia nos cedeu o quarto dela e dormiu no quarto de hóspedes. Valdea dormiu como um anjo - fui generosa agora, anjo não ronca - e eu quase não dormi porque a roupa de cama estava cheirosa, o que é normal numa roupa limpa, recém lavada. Agora estou assim, com olfato de cão perdigueiro. Qualquer cheiro me incomoda, seja bom ou ruim, deve ser da rinite alérgica.
Coloquei tudo no sol e no final do dia a maior parte do perfume tinha evaporado. Tenho que procurar um alergista, isso já está me atrapalhando mais do que o normal.
Durante o café da manhã Valdea começou a mapear a cozinha e a varanda e imaginar que dava pra transformar aquela área em outro apartamento (para as visitas, é claro). Depois foi mudando o lugar de alguns vasos de plantas e até uma pequena estante. Batizou as plantas com nomes: uma zamioculca foi batizada como Anjoval e um Ora-pro-nóbis levou o nome de Biel. Esse é um antigo hábito nosso; na última vez que estivemos aqui plantamos um Manacá da Serra no quintal de Sônia. Como ele morreu tempos depois, resolvemos utilizar o nome novamente. Tomara que esse Anjoval tenha melhor sorte que o anterior.

Sônia não se importa, fazemos o que bem queremos, somos bem folgadas. Valdea ainda fez uma ameaça:

-Sônia, se continuar nos tratando assim vamos ficar aqui 100 dias e não 9 dias como previsto, ou melhor, ficaremos 109 dias.

Apartamento de Sônia e Gabriel
Anjoval




Vista da Varanda, a Serra do Mar ao fundo.

O dia estava fresco, colocamos uma roupa levinha e fomos caminhar pelo bairro Costa e Silva. Imagino que Sônia não gostou do nome do bairro, nome de Ditador, mas o lugar é ótimo. É um típico bairro residencial, bem tranquilo e que tem um bom comércio pra atender os moradores desse bairro que é um dos maiores da cidade.

Caminhamos ao longo de uma pista pra bicicletas e pedestres, muito arborizada e interessante. Na lateral da pista há vários totens de pedra, cada um deles homenageando um poeta.

O Bicho

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira

É triste constatar que a miséria que ele viu décadas atrás, permanece até hoje. O que será que acontece nesse país tão rico e com tanta miséria?
Quando retornamos à casa, o dia já estava bem quente. Depois do almoço eu e Val nos esticamos nas poltronas. Estamos meio sujinhas. Rompeu uma adutora no bairro, consertaram, mas os resíduos entupiram a tubulação que abastece o prédio. Sônia ficou nervosa com a falta d´água, é a primeira vez que isso acontec
e depois que mudou para o prédio.
Panificadora Villa Café Colonial
Fomos conhecer a academia onde Sônia malha com a supervisão de uma Personal. Sinto inveja da disciplina de Sônia, só consigo dedicar dois dias ao Pilates e nada mais. Depois da academia fomos tomar um café na Panificadora Vila Café Colonial, junto com a Rainha do Deserto, Priscila. Ela é a Personal de Sônia, bonita e muito simpática, já morou em Orlando, nos Estados Unidos, e pretende voltar pra lá com o marido e o filho. Disse que gosta daqui, mas acha que lá pode criar seu filho com mais segurança e educação de melhor qualidade.
Sônia conhece muita gente por aqui. Por onde passamos ela sempre encontra um conhecido, no comércio, no asilo, no Café...tem várias amigas, não se sente só nem mesmo quando Gabriel embarca.
Chegamos em casa e já havia alguma água. Tomamos um banho gostoso e fomos pra cozinha. Gabriel tinha feito um café e não resistimos, tomamos café novamente. Mais tarde uma pizza caprezze e uma quatro queijos, comemos de novo. A engorda é certa. Conversa fiada, muitas lembranças, muitas pessoas citadas. 
Essa conversa que envolve a lembrança de tantas pessoas, me fez lembrar de uma jovem que hoje faz parte da minha família e que certa vez me falou com cara de espanto:
- Ângela, eu não consigo entender como você consegue conhecer tanta gente!
Ela foi criada em um pequeno apartamento no Rio de Janeiro, com uma família pequena que se resumi em:  uma mãe, sua única filha, uma irmã com um filho. Somente. Nem pai, nem muito primos, nem sobrinhos, nem muitos tios, vizinhos que não se conhecem, poucos colegas no colégio porque é muito tímida. 
Tive 17 tios que junto com as respectivas esposas e maridos totalizavam 34 tios, quase 80 primos em primeiro grau, outros tanto de segundo grau, outros que eram primos e tios da minha mãe, tive três irmãos, 7 sobrinhos, 10 sobrinhos netos. E juntando a tudo isso, ainda tinham os vizinhos da rua onde morei que também eram, de certa forma, parentes e alguns são meus amigos até hoje. Para  completar, muitos colegas de trabalho com os quais convivi nos anos que trabalhei no Unibanco e na Petrobras.
Não é de se admirar que ela não entenda.

13.04.2023

Dormi muito bem, sem cheiro nenhum nos lençóis. 

Sônia saiu bem cedo para uma visita ao Osteopata que vai colocar a coluna dela no lugar, mas antes deixou a mesa do café arrumada e um secador de cabelo pra Valdea fazer uma escovinha. Essa amiga é dez, fica difícil retribuir no mesmo nível.

Pegamos um Uber e fomos encontrar com Sônia na clínica e, em seguida, fomos ao Parque dos Hemerocallis. Essa planta, Hemerocallis, também chamada de lírio amarelo ou lírio-de-um-dia, é cultivada aqui junto com outras espécies de plantas tropicais. Não a conhecia.

  





Que lugar bonito! Está um solzinho gostoso, ideal pra curtir lugares como esse. Caminhamos entre os canteiros floridos, paramos num lago de Carpas coloridas que vinham comer na nossa mão. A funcionária do Parque nos dava a ração e ensinava como colocar a mão sobre a água para que as Carpas viessem comer, mas uma delas vinha por baixo d’água e por ser escura não percebíamos. Quando ela abocanhava nossa mão era um susto daqueles. Acho que a mulher já sabia que isso acontecia e ficava olhando, se divertindo com o nosso susto.

O parque tem também um pequeno Café, um galpão para a venda de mudas, trilhas pela mata e uma Capela.

- Dá pra fazer casamento aqui? Valdea perguntou a funcionária.
- Sim. É só você trazer o noivo, daí – respondeu a mulher.
- Ferrou, daí. – Eu respondi, tomando emprestado o “daí” que os Catarinenses usam pra tudo, assim como o “uai” dos mineiros e o “prego” dos Italianos. Todos três tem mil e uma utilidades.

Sônia saiu do parque já com um pouco de dor na coluna, mais tarde a dor começou a afetar a perna também. 

Depois do almoço sempre nos esticamos nos sofás da sala pra relaxar e darmos uma olhadinha nas redes sociais. Deparei-me com uma foto de Gretchem:

- Viiiiirgi Maria, Gretchem está horrorosa. Se ela não tivesse mexido tanto no rosto, acho que estaria melhor. Ela perdeu a mão. 

- O que? Ela perdeu a mão? – Perguntou Valdea com espanto

- Nããããooo! Eu quis dizer que ela exagerou nas plásticas. Tá doida?
Essas véias do nosso grupo estão todas meio doidas, inclusive eu. Valdea está demais, já matou a pessoa errada, já foi em aniversário na data errada...não é à toa que Victor, filho dela, diz que “o celular na mão da minha mãe é uma arma”.

14.04.2023
Sônia quase não dormiu por causa das dores na coluna e na perna. Será que a ida ao Osteopata piorou o problema? Logo que acordou, Gabriel levou-a numa emergência onde aplicaram uma injeção pra dor e ela retornou pra casa.
Cancelamos a ida a São Francisco do Sul amanhã. Vai ficar difícil pra Sônia e há previsão de chuva para o final de semana. Não vamos aproveitar a Festilha - Festa das Tradições da Ilha -  cujo objetivo é preservar os valores culturais dos seus colonizadores. Isso acontece em muitas cidades aqui do Estado. Diogo Nogueira também vai participar da festa e vai perder a chance de nos conhecer. Azar o dele!!! Já fomos a essa cidade antes e ela é lindinha. Tínhamos a intenção de conhecermos melhor as praias da região, mas ainda não foi dessa vez, fica para a próxima.
Choveu o dia todo. Ficamos em casa comendo e fofocando. Sônia está bem melhor da dor, a injeção deve ser poderosa. Gabriel fica imitando Sônia na academia, falando com todo mundo...ele adora imitá-la, acho que quando formos embora ele vai fazer o mesmo com a gente.

A noite fomos a um show da banda cover Queen Celebration, no Teatro da Liga. Essa é uma casa de eventos tradicional aqui da cidade, uma construção antiga e muito bem preservada.

O teatro estava quase lotado e com bastante gente mais jovem do que nós. Uma turma na faixa dos quarenta, talvez a maioria, que ainda era criança quando Freddie Mercury faleceu.

O show foi ótimo, os músicos e o cantor são muito bons. Na saída Sônia para e inicia uma conversa com uma mulher não muito jovem, vestida de roqueira, acompanhada de um rapaz. Quando cheguei mais perto a mulher se dirige a mim cheia de entusiasmo:

- Que prazer lhe encontrar, estou muito feliz!
- Que bom, também fico feliz – Respondi.

Meu Deus, nem imagino quem seja, talvez uma das amigas de Sônia que conheci em viagens anteriores, pensei.

- Eu sou da Educação – emendou ela.

Saí fora, tem cara de maluca.

Valdea, que chegou em seguida, foi interpelada também pela roqueira.

- Olá, esse rapaz é meu filho.
- Ah!!! Não acredito, tão nova pra ser mãe dele – Mentiu Valdea querendo agradar a maluquete.
- Sou da Educação – reforçou ela.

Tem ideia fixa. Quando chegamos lá fora e encontramos Sônia, perguntamos quem era a mulher.

- Não sei, conheci agora.

Sônia conversa com todo mundo, em qualquer lugar, vai acabar “dando bom dia a cachorro” como dizia minha mãe.

15.04.2023

Depois do café da manhã, num dia meio nublado e com temperatura agradável, fomos ao Instituto Juarez Machado filho famoso dessa cidade. Estacionamos e fomos caminhando até nosso destino, no caminho várias casas antigas muito bem conservadas, tem muitas pela cidade toda. O Instituto fica numa construção moderna onde acontecem as exposições e ao lado uma casa antiga onde morou a família de Juarez, serve como apoio administrativo. O prédio de dois pavimentos onde se encontra o acervo de Juarez, é muito bonito e bem agradável. Quando chegamos um grupo estava reunido e um homem explicava alguma coisa para o grupo, parecia um encontro ou um debate. Um homem, já idoso, me chamou a atenção pelo estilo da roupa e dos acessórios. Sônia informou que ele é irmão de Juarez, diretor do Instituto, curador de exposições e gestor cultural. Gostei do véio.




Depois de ver todos os quadros da exposição, tomamos uma taça de espumante e tiramos uma foto junto com Edson Machado, o irmão do Juarez. A esposa dele, uma senhora tão estilosa quanto o marido, tirou a foto. Falei com ele que gostei muito da forma como ele estava vestido. Então ele me chamou a atenção para a estampa da camisa: fotos bem pequenas das muitas mulheres retratadas por Juarez em seus quadros. Maravilhosa a estampa.

- Juarez amava as mulheres e eu também - declarou Edson.

Edson - Diretor do Instituto

Huuum, safadinho.

Comprei um livro sobre a vida e obra de Juarez, para conhecer melhor o artista.
Passamos momentos agradáveis ali, a arte é sempre instigante e prazerosa. 


Casa onde morou a família de Juarez Machado


Pavilhão de Exposição o Instituto

Partimos pra Pirabeiraba, um Distrito de Joinville, para aproveitarmos a festa que comemora mais um ano de sua fundação. O trânsito estava tranquilo, mas logo que chegamos à autoestrada começou uma chuva.

- Estou chupando gelo a viagem inteira – Disse Valdea.

Valdea se referia ao barulho que ela faz quando enche boca de gelo. Nesse caso ela está fazendo o mesmo barulho porque está preocupada com Sônia dirigindo nessa estrada de alta velocidade no momento dessa chuva.  Diz que Sônia desde novinha fazia barbeiragens ao volante; que uma vez entrou de carro na Petrobras e, querendo cortar caminho, resolveu atravessar por dentro de um galpão que ia de uma rua a outra. Valdea, que ia seguindo o carro dela, atravessou o galpão também. Só ouviram a gritaria dos empregados avisando para os operadores de empilhadeira que tinha carro na área. Já aprontavam desde cedo.

Estacionamos o carro e logo entramos numa rua cheia de barraquinhas. Essa é a parte da festa chamada de Stamntisch, que significa festa dos amigos em alemão. Cada grupo de amigos monta sua barraca, levam a bebida, os petiscos ou fazem a comida lá mesmo. Todos usam uma camiseta da festa, cada grupo com uma cor de camisa diferente, e o mais interessante é que nenhuma das barracas vende nada, o consumo é só para as pessoas do grupo. Se alguém de fora pede alguma coisa eles costumam dar, pelo menos foi isso que nos disseram, mas não pedimos nada. Numa outra praça tem comida e artesanato a venda. Passeamos por lá e em seguida almoçamos. 


Muitas pessoas vão a festa vestidas com os trajes típicos dos alemães. Uma banda toca músicas populares da cultura alemã e a cerveja rola solta, como não poderia deixar de ser.

A noite fomos a casa de Regina e Sonia. São duas irmãs cariocas que moram aqui antes mesmo de Sônia chegar. Adoram receber os amigos em volta da mesa, bater papo, comer bem e rir muito. Já estivemos aqui na última vez que vim a Joinville e eu ainda lembro da empada deliciosa que elas fazem - agora quem chupou gelo fui eu, porque a lembrança das empadinhas me fez encher a boca d’água-. 

Juntaram-se a nós Nilceia e Olívia. A primeira, além de amiga é vizinha de Regina e a segunda é a representante da colônia alemã no grupo. Conversamos até tarde da noite, falando das viagens, das derrotas e dos prazeres de cada uma. Regina tem sempre um olhar benevolente com as pessoas e se as coisas não ocorrem da melhor forma, ela não se estressa, agradece a Deus a oportunidade e segue em frente. 

O bate-papo foi ótimo, a famosa empadinha marcou presença, o jantar estava muito gostoso, ou “gotozinho” como diz Regina. Foi uma noite deliciosa!!

16.04.2023

Fomos ao zoobotanico. Sônia ficou em casa com a dor na coluna voltando. Pegamos um Uber que nos deixou na parte alta da entrada do Zoo. O parque é muito arborizado, tem um grande lago e alguns animais. O lugar é bonito, mas gostei mais do Parque dos Hemerocallis. Aqui tem também um Mirante com uma bela vista da cidade e da Baía da Babitonga. Pra chegar até lá temos que subir um pouco mais, alguns vão a pé, outros de bicicleta ou no ônibus exclusivo do Zoo. Hoje o ônibus não está subindo até lá, então desistimos, não temos folego nem disposição para essa caminhada morro acima. Na verdade, eu já conhecia o Zoo e o Mirante também.

Mais tarde Gabriel levou Sônia para tomar outra injeção. Depois ele ligou para Valdea e disse que o quadro não era bom e que ela estava internada. Valdea ficou meio zonza.

- Então tá, não se preocupe com a gente, cuide dela aí – Disse Valdea.

- Isso é uma pegadinha, Sônia está bem e tá só esperando a injeção. Agora, achei que você recebeu muito bem a notícia e se conformou rápido demais – Diz Gabriel.

- Bem uma ova Seu Moleque, levei o maior susto, fiquei até sem ação.

Esperamos por Gabriel na porta do elevador com as havaianas na mão para darmos umas chineladas nele.

Sônia disse que o atendimento na emergência foi bom: preencheu  ficha, mediu a pressão, batimentos, etc. A enfermeira mostrou a sala para onde ela devia se dirigir. Nem bem sentou, foi logo chamada. Explicou ao médico o que tinha acontecido. Ele pediu que ela deita-se na maca pra ser examinada. Mexeu a perna pra baixo e pra cima, pro um lado e pro outro, em seguida cada um voltou ao seu respectivo lugar e quando o médico estava prestes a encerrar a consulta, ela perguntou:

- Doutor, qual a sua especialidade na Ortopedia?

- Eu não sou Ortopedista, sou PSIQUIATRA.

Sônia caiu na gargalhada e disse:

- Sei que sou meio doidinha, mas meu problema hoje foi outro.

Os dois caíram na risada por causa da situação inusitada. Aconteceu que a enfermeira a direcionou pra sala errada, devia estar muito cansada pois a emergência estava cheia de pacientes.

Sônia não achou de todo ruim, porque o médico era bem bonitinho. 

A injeção de hoje não fez efeito tão rápido, Sônia continuou sentindo alguma dor, mas nem assim ela sossega, é ligada no 220.

Depois do café ficamos conversando e eu, distraída como sempre, ouvi Valdea falar que Chico Buarque morreu. 
Gente, eu quase não vejo televisão, mas vejo o twitter e um pouco do Instagran, como é possível que eu não tenha visto isso?
- Meu Deus, Chico Buarque morreu mesmo? - Perguntei
-Claro que não, tá doida? Foi um cachorro de Sônia, que se chamava Chico Buarque.

Ufa! Por causa dessa maldita distração já “matei” outras pessoas. Pior que não há o que fazer, e a tendência é piorar.

17. 04.2023

Gabriel embarcou hoje, depois de cinquenta dias em casa.

Saímos com Sonia para fazer algumas compras para o almoço e, para minha surpresa, encontrei com minha amiga Lidiane no Supermercado. 

Que coisa mais improvável e deliciosa. Ainda em Macaé pensei em ligar pra ela, mas enrolada como sou acabei não entrando em contato. Estava nos nossos planos passarmos o final de semana em São Francisco do Sul, então só me restavam os dias úteis e ela provavelmente estaria trabalhando. Achei que eu iria atrapalhar e desisti, mas os astros conspiram a favor daquilo que tem que acontecer. Lidiane continua bonita e simpática como sempre. Trabalhamos juntas em Macaé e tenho grande admiração por ela, uma moça inteligente, competente e guerreira. Passou por momentos de grande dificuldade e hoje está com uma linda família e feliz, é o que me parece.

Saindo do Supermercado passamos na Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, uma construção moderna e bem iluminada. Tiramos algumas fotos e uma delas de Sonia sentada num banco da igreja. Valdea mandou a foto de Sônia pra Gabriel.

- Conseguiram levar Sônia pra rezar na igreja? - Perguntou Gabriel.
- Não, ela estava apenas descansando. Agora estamos em casa, já almoçamos e Sônia está dormindo – respondeu Valdea.
- O que? Dormindo? Ela tem que fazer companhia para as visitas, levar pra passear...Sônia está muito devagar, vou ligar pra ela.
- Não liga não, Moleque, deixa ela dormir. 

Mais tarde resolvemos, eu e Valdea, darmos uma volta pelo bairro. Daqui do alto do apartamento de Sônia vemos uma rua cheia de casas bonitas e é lá que queremos passear. Essa rua fica numa parte mais alta, num morrinho, e na parte mais baixa tem também algumas ruas com casas num modelo mais antigo bem tradicional por aqui. Quase todas têm uma área na frente da casa com pedra brita no chão, para impedir que o mato cresça, e um jardinzinho maior ou menor, mas sempre tem alguma planta ou uma árvore. 

Caminhamos por várias dessas ruas admirando a simplicidade das casas e a limpeza dos jardins e das ruas. Não vou nem comparar com Macaé, é covardia com a nossa cidade tão rica e tão bagunçada. Subimos o morrinho e confirmamos o que víamos do alto, casas bonitas e num estilo mais moderno. Aqui tem mais grama e menos pedra brita, o que demanda uma manutenção maior e mais cara. Aqui chove muito, então a grama e o mato crescem muito rápido. Continuamos a caminhada até uma avenida movimentada e lá nos deparamos com a Panificadora Vila Café Colonial onde tomamos café com Sônia e Priscila. Resolvemos entrar, tomar um café e papear. Esse é um programa que me agrada muito. Antigamente o meu programa predileto era tomar umas cervejas com os amigos. O tempo traz algumas mudanças de hábitos e de preferências. Hoje acho que tomar café numa cafeteria acolhedora e em boa companhia, se tornou meu programa predileto, seguido de perto pela cerveja ou caipirinha numa mesa de bar. 
Tem chovido a tarde quase todos os dias. Pode ser um incomodo pra muitas pessoas, muitas vezes realmente atrapalha, mas também é uma delícia quando estamos abrigados dentro de casa e sem necessidade de sair. Adoro olhar a chuva e até mesmo os raios e trovões, mesmo sabendo que os raios são perigosos. Só não gosto de vento forte.

18.04.2023
Acordei cedo com a claridade no meu rosto. Pouco depois Valdea acordou e desceu a cortina para escurecer o quarto. Dormi novamente e sonhei, um sonho maluco, como quase tudo que sonho. Sônia colocou um banquinho ao lado da nossa cama, para colocar o remédio que tomo quando acordo, o celular e água. No meu sonho eu acordo, olho o banquinho e vejo que tem, além das outras coisas, uma pistola. Não é uma pistola qualquer, essa tem uma característica especial que é a de ser usada para aplicar um remédio. Pego a pistola e coloco o comprimido no tambor onde normalmente se colocam as balas. Levo a pistola até a cabeça e encosto na têmpora. 
- Hum! Acho que esse não é o melhor local, o osso aqui é mais fino - Pensei.
Apontei novamente a pistola, agora no alto do crâneo.
- Aqui o osso é mais resistente, não deve machucar – Raciocinei.
Não tive coragem de atirar.
- Ah! Vai a merda, o médico não podia ter receitado um comprimido, um supositório, algo mais fácil de botar pra dentro? Vou tomar esse troço não.
Mais tarde contei o sonho a Valdea e rimos muito. Sonho é um negócio misterioso, até hoje não existe consenso sobre o assunto, permanece na lista dos mistérios da mente. Não me impressiono com as informações que ele busca na nossa memória, aquela memória que conscientemente não acessamos mais. O que me impressiona é a criatividade, aí aparecem coisas do arco da velha.
Catedral de Joinville

A tarde fomos dar uma volta pela cidade e paramos para conhecer a Catedral de Joinville. O interior é bem bonito, os vitrais que circundam a cúpula iluminam e dão um colorido interessante. Achei bem legal as antigas cadeiras de cinema, aquelas de madeira escura com o encosto curvado. Não me lembro de ter visto esse tipo de cadeira em outra igreja. Sentei em uma delas e me senti tão confortável, quase me transportei ao antigo Cine Tabuada da minha infância e adolescência. Essa igreja parece-me uma obra modernista da década de sessenta, acho que as cúpulas em formato de concha e as colunas que sustentam o teto na área externa em frente à igreja, me lembram Brasília.  Espero que seja a única semelhança. 

Partimos para o Shopping Muller para andar um pouco por lá, tomar um café e retornarmos para casa. Amanhã é dia de partir e ainda temos que arrumar as malas.

Quase todos os dias permanecemos sentados à mesa após o café ou o jantar, conversando. Talvez seja essa a melhor hora do dia, aquele momento em que partilhamos além da refeição, nossas memórias, emoções e prazeres. Não fazemos mais isso no dia a dia, perdemos esse hábito quando a televisão entrou em nossas vidas. Na casa de Sônia, nesses poucos dias que passamos aqui, retornamos ao velho hábito de conversar e fortalecer o vínculo que já existe entre nós. Ficamos felizes, Valdea e eu, por sabermos que Sônia está cercada de bons amigos e de um filho que se preocupa e cuida muito bem dela, sempre que necessário. Vamos embora amanhã levando na bagagem momentos que enriquecem muito nossa memória afetiva. Não ficaremos os 109 dias que Valdea sugeriu e Sônia é uma mulher de sorte, não será preciso comprar as 20 vassouras pra colocar atrás da porta. 

19.04.2023

Acordamos as 07:30 pra chegarmos com tempo no aeroporto. Sônia já tinha arrumado a mesa do café e ainda nos levou ao aeroporto. Mesmo estando com a coluna ferrada, ela continua dando moleza pra gente.  Não existe anfitriã melhor.  

O voo foi tranquilo até Guarulhos e o intervalo até a conexão foi curto. Quando o piloto anuncia o momento do pouso no Santos Dumont, Valdea fechou os olhos. Ela sempre fica tensa na aterrisagem.

- Ouviu o barulho? É o trem de pouso que desceu, isso é bom. Já aconteceu durante um voo que eu estava, que ele não desceu. Alguém da tripulação afastou uma parte da borracha do piso e levantou uma tampa, em seguida desceu pra um compartimento abaixo e resolveu o problema. 

- Sério? Perguntou Valdea com os olhos arregalados. 

- Hunrum! Quando isso acontece é preciso jogar espuma na pista para o avião deslizar de barriga no chão. Ah! E antes do avião aterrissar ele fica voando em círculos até queimar quase todo combustível.

Fiz igual a Gabriel, espantei Valdea.

Quando já estava bem próximo da pista o avião balançou e embicou um pouco pro lado.  Valdea arregalou os olhos. Eu disse: 

-  Deu ruim....agora estabilizou. O piloto não é bom de volante. Ainda não, tá mais ou menos. Balançou de novo. Uiiiii! Tá muuuuito mais ou menos.... 

Ufa!! Onde que Santos Dumont estava com a cabeça quando inventou esse treco.

A cara de Valdea rindo, agora mais tranquila, foi muito engraçada.

Pegamos um táxi para a rodoviária e logo vimos que o motorista era bem doidinho. Falava sozinho e tinha um monte de cacoetes.

Chegamos a tempo de pegar um ônibus direto pra Macaé. Agora a maioria dos horários tem várias paradas, ficou muito demorado. Esse direto é bem mais caro, mas em momentos assim, chegando cansada de viagem, vale a pena. No ônibus uma mulher estranha, com sotaque gaúcho, puxou conversa. Ela estava vestida com uma blusa de lenço igualzinha aquelas usadas nos anos sessenta, eu mesmo fiz uma assim pra mim. Não dei muita trela. A mulher não tinha sossego, levantava toda hora pra tirar fotos através da janela. Quando chegamos em Macaé, retiramos nossas malas e ela ficou lá discutindo com o funcionário da 1001. Parece que deu falta de uma mala.

É a última pessoa com "probleminhas" que conhecemos nessa viagem.