Essa duas características, esquecida e distraída, me acompanham desde o berço, mas estão se tornando um coquetel perigoso na "melhor idade". Vou citar apenas um exemplo dentre tantos.
Meu pai, Vitório, faleceu em 2003 pouco antes de completar 90 anos. Ele era o segundo mais velho entre dez irmãos. Alguns já tinham partido antes dele e a única irmã ainda viva, Tia Zenita, era um pouco mais nova do que ele.
Passado algum tempo eu e minha prima Terezinha Faturine resolvemos ir ao Rio de Janeiro visitar nossa tia que, já bem idosa, morava com a filha Elizete.
- Ângela, Elizete pediu para não falarmos nada com Tia Zenita sobre a morte de Tio Vitório. Ela não sabe que ele morreu, os filhos acharam melhor não contar nada. Ela ainda pensa que o irmão está doente, acamado, mas vivo – Me recomendou Terezinha.
- Ok, não falo nada – Concordei, cheia de boa intenção.
Chegamos na casa da Elizete, nossa prima que é uma ótima anfitriã e que nos recebeu com sua alegria genuína, junto com nossa tia que também tem um bom humor invejável. Almoçamos, descansamos um pouco e mais tarde nos juntamos todos na sala junto com outros primos que chegaram. A conversa rolava solta, como sempre acontece quando nos encontramos, o que não ocorre com a frequência que desejamos. São lembranças da nossa infância e juventude, imagens e cheiros que retemos na memória e que precisamos lembrar, enquanto ainda podemos.
Em dado momento alguém conta algo novo, um fato engraçado que aconteceu recentemente.
- Ah! Se papai estivesse vivo ia adorar ouvir essa história – eu comentei.
Percebi alguns olhos arregalados, mirados em mim.
- O que? Vitório morreu? – perguntou tia Zenita.
- E agora? Fudeu – Eu pensei.
- Mãe, não falamos nada pra senhora porque não queríamos que ficasse triste e a senhora nem poderia ir até lá no velório. Ele estava sofrendo muito, foi melhor assim – explicou Elizete.
- É...se vocês me esconderam isso é bem capaz que a Iolanda (irmã dela) também já tenha morrido – choramingou tia Zenita.
- Morreu mesmo, morreu antes de papai. Desculpe, tia Zenita, mas já que eu fiz a merda é melhor acertar logo tudo – falei desanimada.
Não sou mais uma pessoa confiável, tenho que avisar aos amigos que não me contem segredos. Correm o risco de ter suas reputações abaladas graças a minha mente cansada.