22 agosto, 2025

O ENTERRO


Meu marido não sabe se portar em enterros. Álias, ele não sabe se comportar em outros ambientes também, está cada vez mais “sem noção”, com a idade avançando está perdendo a noção de perigo. Recentemente fomos ao enterro de uma senhora de 86 anos. A maioria das pessoas que ali estavam se conheciam porque eram moradores do mesmo bairro, da mesma vila.

No momento do sepultamento propriamente dito, momento esse que eu penso que é o mais difícil para os familiares, nós estávamos num grupinho um pouco mais afastados da cova. Avistamos Tony Volks caminhando por entre os túmulos. Parecia que estava lendo a lápide de cada um deles, o que é um hábito que eu também tenho. Gosto de ler o epitáfio, tem alguns bem interessantes, tipo o de um velho conhecido meu: “Descanse em paz, seu exemplo de amor e dedicação permanecerá para sempre”. Nada a ver...a vida dele era mais parecida com filme de ação americano. Sabe como é, né? Tiro, porrada e bomba.

De repente Tony se abaixa e pega uma placa de granito, coloca sobre o ombro e sai carregando a pedra. 
 
- Vixe! Acho que Toninho roubou a pedra do túmulo – disse Vilson.

Quando ele passou por nós Vilson perguntou:

- Vai pra onde com essa pedra, Tony?
- É da minha irmã, já morreu um tempão e eu não coloquei o nome dela aqui, só tem o nome dos outros da família.
- Ah, que bom!!! Pensei que você tava roubando de algum morto. Dá um azar danado.

O resto do grupo caiu na risada.

- Vilson, pelo amor de Deus, se comporte. Está chamando a atenção do pessoal que tá enterrando Dona Maria. Isso aqui não é enterro de Arlindo Cruz, não meu filho, sambista é que gosta de animação no enterro. – Repreendi meu marido.

Aí foi que Kelly riu mais alto. Como diria meu pai ‘uma risada de rico”, não que Kelly seja rica, mas a risada é.

Não adianta pedir a ele para que mude seu comportamento, já passou da idade em que isso era possível. Se eu lhe peço para não falar determinada coisa, aí é que ele fala mesmo. Comportamento de velho e de criança são bem parecidos.
 
Decidi sair de perto de Vilson. 

- Vou fingir que nem conheço vocês - avisei.

E saí andando pra longe do túmulo. Kelly ria ainda mais e me chamava.

- Volta Ângela, vem cá....

Preciso escolher melhor as minhas companhias em enterros.

30 abril, 2025

Esquecida e Distraída

 

Essa duas características, esquecida e distraída, me acompanham desde o berço, mas estão se tornando um coquetel perigoso na "melhor idade". Vou citar apenas um exemplo dentre tantos.

Meu pai, Vitório, faleceu em 2003 pouco antes de completar 90 anos. Ele era o segundo mais velho entre dez irmãos. Alguns já tinham partido antes dele e a única irmã ainda viva, Tia Zenita, era um pouco mais nova do que ele.

Passado algum tempo eu e minha prima Terezinha Faturine resolvemos ir ao Rio de Janeiro visitar nossa tia que, já bem idosa, morava com a filha Elizete.

- Ângela, Elizete pediu para não falarmos nada com Tia Zenita sobre a morte de Tio Vitório. Ela não sabe que ele morreu, os filhos acharam melhor não contar nada. Ela ainda pensa que o irmão está doente, acamado, mas vivo – Me recomendou Terezinha.

- Ok, não falo nada – Concordei, cheia de boa intenção.

Chegamos na casa da Elizete, nossa prima que é uma ótima anfitriã e que nos recebeu com sua alegria genuína, junto com nossa tia que também tem um bom humor invejável. Almoçamos, descansamos um pouco e mais tarde nos juntamos todos na sala junto com outros primos que chegaram. A conversa rolava solta, como sempre acontece quando nos encontramos, o que não ocorre com a frequência que desejamos. São lembranças da nossa infância e juventude, imagens e cheiros que retemos na memória e que precisamos lembrar, enquanto ainda podemos.

Em dado momento alguém conta algo novo, um fato engraçado que aconteceu recentemente.

- Ah! Se papai estivesse vivo ia adorar ouvir essa história – eu comentei.

Percebi alguns olhos arregalados, mirados em mim.

- O que? Vitório morreu? – perguntou tia Zenita.

- E agora? FudeuEu pensei.

- Mãe, não falamos nada pra senhora porque não queríamos que ficasse triste e a senhora nem poderia ir até lá no velório. Ele estava sofrendo muito, foi melhor assim – explicou Elizete.

- É...se vocês me esconderam isso é bem capaz que a Iolanda (irmã dela) também já tenha morrido – choramingou tia Zenita.

- Morreu mesmo, morreu antes de papai. Desculpe, tia Zenita, mas já que eu fiz a merda é melhor acertar logo tudo – falei desanimada.

 Minha tia ficou tristinha, mas não por muito tempo.

Não sou mais uma pessoa confiável, tenho que avisar aos amigos que não me contem segredos. Correm o risco de ter suas reputações abaladas graças a minha mente cansada.