Meu marido não sabe se portar em enterros. Álias, ele não sabe se comportar em outros ambientes também, está cada vez mais “sem noção”, com a idade avançando está perdendo a noção de perigo. Recentemente fomos ao enterro de uma senhora de 86 anos. A maioria das pessoas que ali estavam se conheciam porque eram moradores do mesmo bairro, da mesma vila.
No momento do sepultamento propriamente dito, momento esse que eu penso que é o mais difícil para os familiares, nós estávamos num grupinho um pouco mais afastados da cova. Avistamos Tony Volks caminhando por entre os túmulos. Parecia que estava lendo a lápide de cada um deles, o que é um hábito que eu também tenho. Gosto de ler o epitáfio, tem alguns bem interessantes, tipo o de um velho conhecido meu: “Descanse em paz, seu exemplo de amor e dedicação permanecerá para sempre”. Nada a ver...a vida dele era mais parecida com filme de ação americano. Sabe como é, né? Tiro, porrada e bomba.
De repente Tony se abaixa e pega uma placa de granito, coloca sobre o ombro e sai carregando a pedra.
- Vixe! Acho que Toninho roubou a pedra do túmulo – disse Vilson.
Quando ele passou por nós Vilson perguntou:
- Vai pra onde com essa pedra, Tony?
- É da minha irmã, já morreu um tempão e eu não coloquei o nome dela aqui, só tem o nome dos outros da família.
- Ah, que bom!!! Pensei que você tava roubando de algum morto. Dá um azar danado.
O resto do grupo caiu na risada.
- Vilson, pelo amor de Deus, se comporte. Está chamando a atenção do pessoal que tá enterrando Dona Maria. Isso aqui não é enterro de Arlindo Cruz, não meu filho, sambista é que gosta de animação no enterro. – Repreendi meu marido.
Aí foi que Kelly riu mais alto. Como diria meu pai ‘uma risada de rico”, não que Kelly seja rica, mas a risada é.
Não adianta pedir a ele para que mude seu comportamento, já passou da idade em que isso era possível. Se eu lhe peço para não falar determinada coisa, aí é que ele fala mesmo. Comportamento de velho e de criança são bem parecidos.
Decidi sair de perto de Vilson.
- Vou fingir que nem conheço vocês - avisei.
E saí andando pra longe do túmulo. Kelly ria ainda mais e me chamava.
- Volta Ângela, vem cá....
Preciso escolher melhor as minhas companhias em enterros.