23 setembro, 2001

PRAGA


07.05.2001
Temos a manhã livre para fazer o que bem quisermos. Esses momentos sem hora marcada são bem agradáveis. Sentamos num monumento próximo ao hotel e folheamos um livro sobre a cidade, que a Kátia havia comprado. Escolhemos os pontos turísticos próximos ao hotel e fomos conhecê-los. Depois almoçamos e partimos para a República Theca.

Quando chegamos próximos à fronteira vimos à fila de veículos para passar pela Aduaneira. Verificaram nossos passaportes - precisamos de visto para entrar na República Theca - e respondemos a um questionário. Resquícios da velha burocracia soviética.

Chegamos ao Hotel Corinthia no final da tarde. Em seguida fomos para um passeio que tradicionalmente é feito à noite. O ônibus nos levou até o alto de um morro onde fica o Castelo de Praga. De lá descemos a pé até a margem do rio por uma ladeira estreita com um casario muito antigo. O interessante desse passeio é que parece que nos transportamos há séculos atrás. A iluminação é pouca, bem suave, parecendo luz de candeeiro. Enquanto descíamos morro abaixo, a guia ia nos contando a história desse povo, detalhes das fachadas, como os brasões esculpidos sobre a porta de entrada de cada casa. De acordo com o desenho podia-se identificar a família que morava ali.


 
Casa de Leao Vermelho, Rua Nerudova
A noite estava muito, muito fria. Eu estava quase imobilizada com a quantidade de roupas que estava vestindo. A Kátia usava um casaco com um grande capuz que escondia seu rosto. Parecia a estátua do Anonimus que vimos em Budapest.

Chegamos ao rio Vltava que corta a cidade. Esse lado do rio é chamado de Mála Strana (cidade pequena) e do outro lado fica Staré Mesto (cidade velha). A Ponte Karlüv (ponte Carlos) que cruza o rio nesse local, vista assim nessa penumbra, parece uma visão fantasmagórica. É uma ponte para pedestres com um grande portal na entrada dos dois lados do rio, e grandes estátuas negras sobre as muretas laterais. São várias estátuas, mais de vinte certamente. Kátia ficou encantada com a ponte, quer voltar amanhã durante o dia para vê-la melhor.
Ponte Karluv
08.05.2001

Retornamos logo cedo ao local de onde iniciamos nosso passeio ontem à noite: o Castelo de Praga. Junto do castelo fica a Igreja de São Vito, onde ficam as joias da coroa e o túmulo do Rei Venceslau. Esperamos um pouco e assistimos à troca da guarda. Depois descemos pela mesma rua que passamos ontem. Durante o dia o visual é outro, já não nos sentimos mais no século XIV. Agora podemos ver toda a cidade lá embaixo, as torres das igrejas, os telhados avermelhados, as pontes antigas e o rio sinuoso. Esta cidade é considerada uma das mais belas da Europa. Acho que ela faz jus à fama.

Na descida em direção à Praça da Cidade Velha passamos pela Viela Dourada. Essa rua estreita com pequenas casas recebe esse nome porque aqui moraram alquimistas tchecos. Sempre ouvi falar que os alquimistas transformavam qualquer metal em ouro. Segundo a guia, esse não era o principal objetivo. Na verdade, o que se propunha era a transformação do próprio alquimista, sua libertação espiritual e sua transformação em uma consciência superior. Loucura, loucura... No endereço 22, dessa rua, morou o escritor Franz Kafka e aqui ele escreveu algumas de suas obras. Fico imaginando como um sujeito angustiado e atormentado como Kafka conseguiu viver numa dessas casinhas claustrofóbicas.
 Na continuação visitamos a catedral gótica de São Vito e em seguida chegamos a Ponte Karlüv. Vista assim, durante o dia, ela não causa o mesmo impacto, mas nem por isso é menos interessante. Paramos em frente à estátua de São João Nepomuceno. A guia nos contou que esse santo foi um padre muito respeitado pelo povo. Ele era também o confessor da rainha, esposa do rei Venceslau. O rei andava desconfiado que a rainha andava enfeitando sua cabeça e quis obrigar o padre a dizer o que a rainha Joana havia confessado. O padre se recusou a revelar o segredo da confissão e o rei, “puto” com o padre mandou matá-lo. O seu corpo foi jogado do alto da Ponte Karlov para dentro das águas do rio Moldava. Mereceu a canonização.
Ponte Karlov



















Vários artistas - músicos, pintores, malabaristas - apresentam seus trabalhos aqui na ponte. E tem turistas às pencas, sempre dispostos a gastar alguns trocados. Comprei duas aquarelas que certamente me darão trabalho para carregar sem amassar.
Atravessamos a ponte e paramos próximo ao Relógio Astronômico. Uma multidão estava estacionada ali esperando que o carrilhão marcasse a hora. Às 14 horas um boneco representando a morte aciona o carrilhão e aí começa o desfile de 12 bonecos que representam os apóstolos. Esse relógio foi construído em 1400, o que significa que quando o Brasil foi descoberto ele já marcava as horas e que provavelmente alguns desses prédios que eu estou vendo em volta da praça, já se encontravam aqui naquela época.

Igreja N.S.de Tyn

















A Praça da Cidade Velha é o coração da cidade. É uma praça enorme e em sua volta encontram-se várias igrejas e prédios historicamente muito importantes para este país. O que logo me chamou a atenção foi a Igreja Diante de Tyn, que se destaca pelo tamanho e pelas torres escuras, em estilo gótico. A igreja não fica exatamente na praça. O nome já é um pouco estranho e a entrada da igreja também. A entrada fica em uma casa, escondida atrás de outros prédios que ficam na praça.

Sentamos em um dos restaurantes com mesas ao ar livre e pedimos o almoço. Estávamos famintas. Durante o almoço ficamos admirando o movimento na praça. Parece que tudo acontece ali. Vários grupos distintos aproveitavam o sol da tarde. Uns tocavam algum instrumento, outros ensaiavam uma espécie de teatro, alguns adolescentes andavam de skate, outros, como nós, apenas apreciavam.

Cemitério Judeu


















Terminado o almoço fomos visitar o bairro judeu Josefov. Esse é o bairro judeu mais antigo da Europa, ele existe desde 1470. Aqui nesse bairro batem ponto turistas do mundo todo, como nós, para recordar a perseguição nazista sofrida pelos judeus. Fomos primeiro a um museu judaico, que possui vários objetos sacros de colônias judias. Do museu pudemos avistar o cemitério judaico. É preciso subir vários degraus para chegar até as tumbas. Na verdade, não há tumbas, apenas lápides, muito próximas umas das outras. O espaço é pouco para tantos túmulos. Lendo o nosso livro guia, entendemos porque os túmulos ficam tão acima do nível da rua. Quando não há mais espaço para nenhum novo “morador” todos aqueles túmulos são soterrados e cria-se um novo espaço sobre o anterior. Um cemitério sobre o outro. Interessante. É algo parecido com cemitérios modernos que ficam localizados em prédios de vários andares.

Existem várias sinagogas nesse bairro, mas não dá para visitar todas. Optamos por uma visita a sinagoga velha que é bem pequena. Eu nunca havia entrado antes em uma sinagoga e achei-a completamente diferente das igrejas que já vi até hoje. A nave central é toda em madeira escura com entalhes bem bonitos e a disposição dos bancos e do púlpito (onde se lê a Torá) é bem diferente.

Sentamo-nos em uns bancos que ficam em volta na nave principal. Cansadas de tantos séculos de história começamos a falar sobre cultura inútil. Adélia perguntou - Será que posso contar uma piada sobre papagaio aqui dentro da sinagoga ? Respondi - Melhor uma piada sobre papagaio do que uma sobre judeus. Correto ? Adélia resolveu contar a piada sobre um espanador que foi confundido com um papagaio numa situação que....melhor não registar isso aqui. Tivemos uma crise incontrolável de riso que chamou a atenção de um segurança que praticamente nos expulsou da sinagoga. Minha primeira incursão pelo universo judeu não terminou muito bem.
 
 Á noite fomos à cervejaria U Fleku conhecer a famosa cerveja tcheca. Essa cervejaria, fundada há mais de 500 anos, também é mais antiga que a descoberta do Brasil. Ainda era cedo quando chegamos lá e local ainda estava meio vazio. Escolhemos uma mesa num pátio, na sombra de uma hera. Sentamos em uma comprida mesa de madeira com aqueles bancos sem encosto no mesmo comprimento da mesa, como os que a gente ainda vê na roça. Pedimos um copo de cerveja para começarmos “os trabalhos”. Kátia avaliou a carta de cerveja e fez o pedido. Eu estava meio distraída, pra variar, e quando acordei estava em minha frente um caneco enorme de cerveja escura. Eu detesto cerveja preta. Parti para o sacrifício e tomei o primeiro gole. Não é que gostei da cerveja? É um pouco mais forte e não é tão doce como as que já tomei no Brasil.

Quando a temperatura começou a cair, passamos para o interior da cervejaria. A essa altura o local já estava repleto de turistas. Um garçom nos ofereceu um cálice com uma bebida típica daqui. Kátia perguntou em inglês se aquela bebida era cortesia. Entendemos que sim. O garçom retornou outras vezes com a mesma bebida. Tomei um cálice e recusei todos os outros, a bebida era muito adocicada. Depois começamos a desconfiar que aquela bebida não era oferta coisa nenhuma. Quando a conta chegou todos os cálices "oferecidos" estavam lá. Avisamos a um grupo de rapazes que estavam na mesa ao lado, para que não cometessem o mesmo engano.

É bem clara a influência da cultura alemã por aqui. Não é só a cerveja que os tchecos adoram, na comida também está sempre presente a carne de porco, o repolho e a batata. Quanto ao idioma, não me parece que haja alguma semelhança.

09.05.2001
Hoje dormimos um pouco mais e saímos calmamente em busca de um ônibus que nos levasse até a Igreja do Loreto de Praga. Foi uma visita inesquecível. A igreja, o claustro e o jardim formam um conjunto belíssimo. O tesouro de Loreto vale a pena ser apreciado; são objetos sacros valiosíssimos. Ficam expostos em uma sala que parece com o cofre-forte onde eu trabalhei quando fui tesoureira de um banco. Toda a segurança se justifica. Alguns ostensórios são cobertos por esmeraldas, outros por pérolas. Um deles, chamado “Sol de Praga” possui mais de 6.000 diamantes. Nunca fui uma apaixonada por joias, mas que essas pedras realmente embelezam qualquer peça, isso é verdade.
  
Saímos para o sol e resolvemos tomar uma cerveja num bar próximo da igreja. O dia está lindo, ótimo para bater perna. Ouvimos o carrilhão da igreja do Loreto tocar uma música. São vários sinos que tocam de hora em hora. É gostoso de ouvir, combina com o cenário em volta.
  
Começamos a ouvir um repicar de sinos, parece que todos os sinos da cidade estão tocando ao mesmo tempo e só a igreja do Loreto, aqui ao lado, possui mais de vinte sinos. Pensei “Por quem dobram os sinos?” (parodiando Hemingway). Depois soubemos que hoje, nove de maio, se comemora o dia da libertação de Praga do regime nazista. Acho que essa é também a data (09.05.45) considerada como o fim da Segunda Guerra Mundial, embora ela não tenha terminado no mesmo dia para todas as cidades ocupadas.
 
Andamos mais alguns metros e paramos para visitar o Mosteiro de Strahov. Na verdade, a intenção era visitar a biblioteca e a galeria de arte. A biblioteca em estilo barroco e com pinturas no teto, é linda. Não foi possível olhar de perto a coleção de manuscritos e livros, o acesso não é permitido, mas ainda assim vale a visita.

Á noite fomos assistir uma apresentação do tradicional Teatro Negro de Praga. Na realidade eu e Adélia assistimos, a Kátia estava de corpo presente, mas dormindo o sono dos justos. É um espetáculo visual onde o cenário é todo negro e os atores também se vestem de negro, sobressaindo apenas o jogo de luzes, os objetos e partes do corpo que compõe a estória.



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